Entidades pedem a retirada de bonecas antirracistas de escolas da Prefeitura de SP: 'Não representam crianças negras e andinas', diz professora
Gestão municipal anunciou a compra das 128 mil bonecas em março de 2023 para 3,1 mil escolas de educação infantil; kits custaram R$ 17 milhões. Ministério Público e o Tribunal de Contas do Município apuram como foi feito o processo e pedem esclarecimentos após denúncias. Tribunal de Contas e Ministério Público questionam prefeitura de SP sobre compra de bonecas antirracistas por R$ 17 milhões Paola Patriarca/g1 Entidades e professores da rede municipal de ensino de São Paulo afirmam que as bonecas artesanais e antirracistas que foram compradas pela prefeitura e entregues para as 3 mil unidades de educação infantil não representam o fenótipo da criança negra e nem andina, o que tem dificultado a política educacional antirracista. "As bonecas não representam de forma algumas nossas crianças negras e nem andinas. Um desrespeito ao fenótipo com uma forma de caricatura: olhos cinzas, sem pescoço, cabeças desproporcionais ao corpo, sem calçados remetendo ao tempo de escravizados", afirmou uma professora da rede municipal, que prefere não se identificar. A docente ainda complementa: "A maioria das crianças não se interessa. Algumas sentiram medo. As crianças não se veem naquelas bonecas. Espero que a secretaria de educação entenda que não se trabalha o racismo estrutural de qualquer forma. Tem que respeitar". Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp O contrato entre a Secretaria de Educação e a empresa Ateliê Quero Quero para a aquisição de 128 mil bonecas foi assinado em 29 de dezembro de 2022 e não houve licitação. O valor total foi de R$ 17 milhões. O Ministério Público e Tribunal de Contas do Município receberam denúncias em janeiro e fevereiro deste ano, e pediram esclarecimentos à prefeitura sobre o processo da contratação (veja mais abaixo). A compra foi anunciada à imprensa no dia 21 de março de 2023. Na nota divulgada na época, a prefeitura afirmou que bonecas e bonecos negros e bolivianos seriam destinados para escolas de educação infantil para atividades de cunho pedagógico e antirracista. "A coleção exclusiva foi confeccionada para a Secretaria Municipal de Educação a partir dos princípios do currículo da cidade e do perfil dos alunos atendidos pelas escolas municipais. As bonecas estão divididas em kits com oito itens, compostos por três bonecos negros, três bonecas negras, um boneco boliviano, uma boneca boliviana e um boneco bebê negro. Cada unidade vai receber entre três e cinco kits, a depender do tamanho da escola", divulgou. Três meses após a entrega nas escolas, o Sindicato dos Trabalhadores nas Unidades de Educação Infantil da Rede Direta e Autárquica do Município de São Paulo (Sedin) encaminhou um ofício para a Secretaria Municipal de Educação pedindo para que os kits com bonecos e bonecas fossem retirados. "A ausência de identidade étnica inviabiliza o desenvolvimento da ideia de pertencimento, e não corrobora para elevar a autoestima das crianças negras. A privação de sapatos nos bonecos(as) reforça a tese de que não houve cuidado com os fatos históricos, considerando que não usar sapatos era uma característica escrava no Brasil Colônia. Sapatos para os negros era símbolo de libertação e nivelamento aos brancos", disse o sindicato no ofício, encaminhado em 26 de junho de 2023. Além disso, o Sedin alegou que o material usado na confecção dos brinquedos não demonstrava "nenhuma preocupação com o conceito de beleza enfatizado no currículo para uma educação antirracista". "Tanto a escolha do material, quanto a confecção, expressam características de produção em grande escala, sem preocupação com os contornos corporais (bonecos sem pescoço), traços faciais estereotipados (olhos desproporcionais e cinzas) e cabelos apenas na metade da cabeça, desconsiderando uma das principais característica do povo negro", afirmou a entidade. Ainda no ofício, o Sedin ressaltou que, atualmente, "o mercado já dispõe de uma variedade de modelos de bonecas (mesmo de pano) que retratam a fenotipia e a beleza da criança negra". Em resposta ao sindicato, a Secretaria Municipal de Educação afirmou, na época, que foram escutadas mulheres negras e bolivianas que evidenciaram pontos importantes para a fabricação dos kits e que eles não pretendiam retratar pessoas reais, mas possibilidades de brincadeiras e aprendizagens. Já em relação à ausência de sapatos, a pasta afirmou ao Sedin que "se por um lado a ausência deles historicamente marca corpos negros escravizados, por outro apresenta possibilidades de contato com a natureza a partir dos pés, principalmente quando falamos de corpos infantis". Ao g1, Claudete Alves da Silva, presidente do sindicato, defendeu a retirada das bonecas das escolas. "Os professores acharam inapropriado as bonecas para trabalhar com a questão das diversidades devido o distanciamento estético de nossas crianças. Muitas crianças as acharam muito feia e alguns até ficaram com medo. As bonecas têm mais aparência de espantalhos do que de crianças, sem contar a péssima
Gestão municipal anunciou a compra das 128 mil bonecas em março de 2023 para 3,1 mil escolas de educação infantil; kits custaram R$ 17 milhões. Ministério Público e o Tribunal de Contas do Município apuram como foi feito o processo e pedem esclarecimentos após denúncias. Tribunal de Contas e Ministério Público questionam prefeitura de SP sobre compra de bonecas antirracistas por R$ 17 milhões Paola Patriarca/g1 Entidades e professores da rede municipal de ensino de São Paulo afirmam que as bonecas artesanais e antirracistas que foram compradas pela prefeitura e entregues para as 3 mil unidades de educação infantil não representam o fenótipo da criança negra e nem andina, o que tem dificultado a política educacional antirracista. "As bonecas não representam de forma algumas nossas crianças negras e nem andinas. Um desrespeito ao fenótipo com uma forma de caricatura: olhos cinzas, sem pescoço, cabeças desproporcionais ao corpo, sem calçados remetendo ao tempo de escravizados", afirmou uma professora da rede municipal, que prefere não se identificar. A docente ainda complementa: "A maioria das crianças não se interessa. Algumas sentiram medo. As crianças não se veem naquelas bonecas. Espero que a secretaria de educação entenda que não se trabalha o racismo estrutural de qualquer forma. Tem que respeitar". Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp O contrato entre a Secretaria de Educação e a empresa Ateliê Quero Quero para a aquisição de 128 mil bonecas foi assinado em 29 de dezembro de 2022 e não houve licitação. O valor total foi de R$ 17 milhões. O Ministério Público e Tribunal de Contas do Município receberam denúncias em janeiro e fevereiro deste ano, e pediram esclarecimentos à prefeitura sobre o processo da contratação (veja mais abaixo). A compra foi anunciada à imprensa no dia 21 de março de 2023. Na nota divulgada na época, a prefeitura afirmou que bonecas e bonecos negros e bolivianos seriam destinados para escolas de educação infantil para atividades de cunho pedagógico e antirracista. "A coleção exclusiva foi confeccionada para a Secretaria Municipal de Educação a partir dos princípios do currículo da cidade e do perfil dos alunos atendidos pelas escolas municipais. As bonecas estão divididas em kits com oito itens, compostos por três bonecos negros, três bonecas negras, um boneco boliviano, uma boneca boliviana e um boneco bebê negro. Cada unidade vai receber entre três e cinco kits, a depender do tamanho da escola", divulgou. Três meses após a entrega nas escolas, o Sindicato dos Trabalhadores nas Unidades de Educação Infantil da Rede Direta e Autárquica do Município de São Paulo (Sedin) encaminhou um ofício para a Secretaria Municipal de Educação pedindo para que os kits com bonecos e bonecas fossem retirados. "A ausência de identidade étnica inviabiliza o desenvolvimento da ideia de pertencimento, e não corrobora para elevar a autoestima das crianças negras. A privação de sapatos nos bonecos(as) reforça a tese de que não houve cuidado com os fatos históricos, considerando que não usar sapatos era uma característica escrava no Brasil Colônia. Sapatos para os negros era símbolo de libertação e nivelamento aos brancos", disse o sindicato no ofício, encaminhado em 26 de junho de 2023. Além disso, o Sedin alegou que o material usado na confecção dos brinquedos não demonstrava "nenhuma preocupação com o conceito de beleza enfatizado no currículo para uma educação antirracista". "Tanto a escolha do material, quanto a confecção, expressam características de produção em grande escala, sem preocupação com os contornos corporais (bonecos sem pescoço), traços faciais estereotipados (olhos desproporcionais e cinzas) e cabelos apenas na metade da cabeça, desconsiderando uma das principais característica do povo negro", afirmou a entidade. Ainda no ofício, o Sedin ressaltou que, atualmente, "o mercado já dispõe de uma variedade de modelos de bonecas (mesmo de pano) que retratam a fenotipia e a beleza da criança negra". Em resposta ao sindicato, a Secretaria Municipal de Educação afirmou, na época, que foram escutadas mulheres negras e bolivianas que evidenciaram pontos importantes para a fabricação dos kits e que eles não pretendiam retratar pessoas reais, mas possibilidades de brincadeiras e aprendizagens. Já em relação à ausência de sapatos, a pasta afirmou ao Sedin que "se por um lado a ausência deles historicamente marca corpos negros escravizados, por outro apresenta possibilidades de contato com a natureza a partir dos pés, principalmente quando falamos de corpos infantis". Ao g1, Claudete Alves da Silva, presidente do sindicato, defendeu a retirada das bonecas das escolas. "Os professores acharam inapropriado as bonecas para trabalhar com a questão das diversidades devido o distanciamento estético de nossas crianças. Muitas crianças as acharam muito feia e alguns até ficaram com medo. As bonecas têm mais aparência de espantalhos do que de crianças, sem contar a péssima produção e material inadequado para higienizar". Em nota, o advogado da empresa Ateliê Quero Quero afirmou que a coleção de bonecas "foi desenvolvida especialmente para compor o trabalho de educação antirracista da PMSP [prefeitura de São Paulo] com estudos de estampas, serigrafia, tons de pele e diversidade de modelo e tons de cabelos." Ainda conforme a nota, a empresa "fez toda a gestão de logística, elaboração de arte e designer, desenvolvimento de guia pedagógico e coordenação para que cada escola recebesse o seu kit presencialmente 'porta a porta' e no ato da entrega fizesse a conferência de qualidade/quantidade e recebesse acesso ao guia pedagógico que acompanhou a coleção". Contrato de R$ 17 milhões Bonecas compradas pela prefeitura em SP Paola Patriarca/g1 O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Município de São Paulo apuram sobre como foi feito o processo de compra no valor de R$ 17,2 milhões pela prefeitura. Os órgãos pediram esclarecimentos ao Executivo após denúncias terem sido protocoladas em janeiro e fevereiro deste ano. Em nota, a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Educação, disse que a contratação da empresa seguiu todos os trâmites previstos em lei e que a pasta cotou preços um ano atrás para compras de bonecas (leia nota completa abaixo). Ao g1, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo afirmou que recebeu no dia 16 de fevereiro a representação do deputado estadual Antonio Donato (PT) sobre possíveis irregularidades na aquisição, por inexigibilidade de licitação de kits de bonecos para unidades educacionais de educação infantil. "O TCMSP questionou a Secretaria Municipal de Educação sobre a compra e aguarda respostas que serão então analisadas pela área técnica do Tribunal", afirmou o órgão. Na representação feita ao TCM, o deputado afirmou que "causa estranheza a justificativa de que apenas a empresa contratada poderia produzir os bonecos de acordo com a especificação exigida, já que a empresa não é especializada nesse tipo de produção", além da falta de pesquisa de preço. A representação ainda cita sobre as bonecas terem sido criticadas por ativistas por "não representarem adequadamente o fenótipo da criança negra, violando os princípios da política educacional antirracista". O Ministério Público também questionou a prefeitura sobre a compra dos bonecos após uma denúncia ter sido protocolada em janeiro deste ano. "No dia 23 de janeiro de 2024, foi protocolado na Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital denúncia a respeito do assunto. Foi encaminhado ofício aos representados para se manifestarem", disse o órgão. O que diz a Secretaria Municipal de Educação? "A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação, informa que a contratação da empresa seguiu todos os trâmites previstos em lei. Vale reforçar que a pasta cotou preços um ano atrás para compras de bonecas de pano distribuídas para alunos da rede municipal. A empresa Brasil Air, uma das consultadas, por exemplo, presentou na ocasião o valor de R$ 118,50 por boneca. Portanto, o preço pago à época, pela prefeitura - R$ 135,00 por boneca -, está encaixado dentro da margem de correções inflacionárias do período. A propósito, o valor hoje no catálogo da empresa Quero Quero praticado no mercado é de mais de R$ 158,00, fora o frete. Portanto, acima do preço pago pela Prefeitura de São Paulo. Além disso, o preço pago à época, pela prefeitura, à empresa Quero Quero é compatível ao valor cobrado por ela a clientes privados e públicos no País inteiro. Nos dois casos, o valor ainda leva em conta despesas com a logística de distribuição para alunos de cerca de 3,1 mil unidades escolares. A administração municipal está à disposição dos órgãos de fiscalização competentes para quaisquer esclarecimentos". Bonecos artesanais comprados pela prefeitura de SP Divulgação/Prefeitura de SP O que diz a empresa contratada? Em nota, o advogado Mario Tavares Neto afirma que a empresa Ateliê Quero Quero recebeu ofício do Ministério Público de São Paulo solicitando informações sobre a contratação, e ressalta que não há processo judicial. "Temos certeza de que os esclarecimentos e documentos a serem apresentados comprovarão a lisura do procedimento adotado, valendo ressaltar que referido procedimento corre em sigilo por determinação do próprio MPSP. Não há processo judicial e a empresa não está sendo acusada de absolutamente nada". Sobre o TCM, o advogado afirma que não foi enviado ofício ou notificação sobre o caso, "sendo desconhecido para empresa qualquer apuração do referido órgão". "Informamos, ainda, que a contratação da empresa seguiu todos os trâmites legais e que o preço incluía além dos custos inerentes à produção, a logística para entrega em cada uma das mais de 3.000 (três mil) unidades de ensino. Atualmente o valor de cada boneca é vendido pelo preço de R$ 148,50 mais frete (a calcular) e IPI, ou seja, superior ao valor cobrado da Prefeitura de São Paulo". Boneco comprado pela prefeitura de SP Arquivo Pessoal